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"Eu vos explico a Teologia da Libertação": Cardeal Joseph Ratzinger

 O Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa emérito Bento XVI, quando Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu uma exposição sobre a Teologia da Libertação em sua forma extremada, em 18 de março de 1984. Partindo das respectivas premissas e realçando os conceitos característicos do sistema, o autor mostra que a Teologia da Libertação não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação sócio-econômica da América Latina, mas revolve todas as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da Igreja, Liturgia, Catequese, opções morais, etc. É de crer que “a gravidade da Teologia da Libertação não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente”; é a subversão radical do Cristianismo, que torna urgente “o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. É importante que o público esteja consciente de que a Teologia da Libertação não é a extensão das promessas do Cristianismo aos problemas morais suscitados pelas condições sócio-econômicas da América Latina, mas é uma nova versão do racionalismo de Rudolf Bultmann e do marxismo, que utiliza a linguagem dogmática e ascética do patrimônio antigo da fé e se reveste de aspectos de mística cristã. O Cardeal Joseph Ratzinger fez uma explanação do que é a Teologia da Libertação.



Tal documento é de notável importância, pois se deriva de um sábio teólogo encarregado, em Roma, precisamente da Congregação que acompanha a fé e os desvios da fé em nossos dias (D. Estêvão Bettencourt, osb Pergunte e Responderemos – Ano XXV – No 276 – 1984).

EU VOS EXPLICO A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Cardeal Joseph Ratzinger

Para esclarecer a minha tarefa e a minha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias algumas observações preliminares:

  1. A teologia da libertação é um fenômeno extraordinariamente complexo. É possível formar-se um conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das posições mais radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de uma carreta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellín a Puebla.

¹O presente número já estava impresso quando foi publicado o documento da Santa Sé sobre a Teologia da Libertação. Será objeto de estudos no próximo número. Neste nosso texto, usaremos o conceito “teologia da libertação” em sentido mais restrito: sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram própria a opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos particulares, muitas diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral. Neste contexto posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais que, sem desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa influência mesmo onde não existe teologia da libertação em sentido estrito.

  1. Com a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental paro a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar, isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo da teologia da libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade se esconde no erro e como recuperá-la plenamente?

  2. A teologia da libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista:

a) Essa teologia é realmente onipresente, não só na América Latina, mas também na África e, sobretudo, na Ásia.

b) O seu impacto é mundial. O que é proposto em algum lugar é apreendido instantaneamente em todos os lugares e, vice-versa, o que é apreendido em algum lugar torna-se critério também para o resto do mundo.

c) O seu conteúdo específico não é só um produto local; ao contrário, se origina de um encontro entre marxismo e teologia que é, em si, de importância universal.

Essa universalidade foi reconhecida pela Assembleia dos Bispos em 1974 e mais tarde confirmada na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (cf. n. 35). Isso significa que não é possível pensar que o fenômeno se limite a uma região e que se possa eliminá-lo atacando-o em um determinado lugar. Ela estará sempre de volta em proporções crescentes, a menos que o problema da sua natureza seja abordado em toda a sua seriedade. Por isso é urgente encontrar uma resposta mundial para o desafio da teologia da libertação. E não se trata apenas da sua crítica, mas da proposta de uma nova cristologia, antropologia e eclesiologia.

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O fenômeno se apresenta em graus variados de maturidade e pureza.

  1. Há teólogos da libertação que fazem a opção marxista de um modo claro e, assim, se inserem na grande tradição do marxismo com todas as suas conseqüências: a ortodoxia marxista com a sua dependência marxista-leninista, a ortopraxis em sua totalidade.

  2. Há, porém, outros teólogos que, mesmo sem aderirem à dependência marxista-leninista, acham-se em grande acordo com as teses centrais do marxismo. Querem ser marxistas, mas se interrogam criticamente sobre a análise concreta da situação e sobre as consequências práticas e, por isso, não aceitam a ortodoxia marxista em toda a sua totalidade.

  3. Há teólogos que, partindo do Evangelho, fazem sua a preocupação pela justiça e, assim, se encontram no grande tema do profetismo social, mas não aceitam, no marxismo, senão uma metodologia de análise e de interpretação, e mesmo aqui, com muitas reservas.

  4. Há também teólogos que aceitam o marxismo, mas não a sua análise econômica, e o aceitam, talvez, só por razões de método. E ainda há outros que se servem de elementos marxistas, mas na realidade se inserem no existencialismo, inclusive existencialismo cristão.

A teologia da libertação não é uma realidade homogênea. O que acontece, porém, é que o traço comum se torna sempre mais importante do que os elementos específicos. Por isso, a característica da universalidade é suficiente para justificar a crítica mundial da teologia da libertação, mesmo porque o seu encontro com o marxismo é um problema mundial. Além disso, se quisermos ser justos, não podemos negar que a própria crítica das diversas formas de teologia da libertação encontra-se igualmente disseminada e que essa crítica, no plano universal, encontra fundamentos e argumentações idênticas.

É justamente a partir da universalidade que deverá ser organizada a resposta para a teologia da libertação. O contraste com a teologia da libertação não pode significar simplesmente uma renovação da condenação de suas formas mais radicais. A preocupação pelos pobres e pelos oprimidos tem, como tal, direito ao seu lugar na teologia. E também é incontestável que o marxismo representou a grande tentativa do século XX para resolver o problema da justiça. É preciso, pois, encontrar uma resposta que dê ao fenômeno da teologia da libertação a possibilidade de assumir plenamente os seus valores autênticos e, ao mesmo tempo, ofereça a possibilidade de livrar-se dos erros que encobre. Isso não pode ser obtido com a excomunhão, mas só com a verdade que leva à recuperação daquilo que é verdadeiro e, dessa forma, possa retomar a sua contribuição para a Igreja e para a humanidade. Não basta negar; é necessário apresentar a verdade em toda a sua grandeza e força.

Além disso, é importante distinguir os diversos níveis em que se move a teologia da libertação.

De um lado, é preciso considerar o compromisso social dos cristãos, a solidariedade com os pobres, a disposição de sacrificar-se para que se realize mais justiça. Esse nível está ao alcance de todo cristão, que reconhece a imagem de Deus em todo homem e que entende a pobreza como um apelo à solidariedade e à partilha. É a caridade do bom samaritano, que se tornou o modelo para a parábola evangélica. O próprio Papa a encontrou no último Sínodo como uma das grandes esperanças de nossos povos. A esse propósito poderíamos recordar o que dissemos em várias ocasiões (cf. p. ex. a última reunião dos CELAM em Puebla).

Do outro lado, está a opção marxista, que pretende fundar a solução dos problemas sociais na luta de classes. Esse ponto de vista é irreconciliável com a fé da Igreja. A luta de classes como motor da história é um mito que sempre trouxe violência e novas formas de opressão.